"Tudo que não puder contar como fez, não faça!" - Immanuel Kant

Indiara Beltrame
21/10/2020

Tenho certeza que muita gente se sente, no mínimo, desconfortável em saber que sua vida é “bisbilhotada” por amigos, familiares, pelos ex’s. Sim o “Ex” amigo, ex-namorado, ex-parceiro de trabalho ou mesmo pelas empresas. Onde você foi? O que estava comendo? Com quem você estava? Com que frequência você vai a determinado lugar? Que horas foi? Que horas foi embora? Não para por aí, ainda tem muito mais que pode ser verificado, analisado, mediado, mensurado e transformado em dados e informações a respeito de quem você é, onde vive, do que se alimenta, com quem andas e o que faz.

Pensando assim dá uma sensação de nudez, sim nudez, como se estivéssemos expostos, e até nossos pensamentos mais íntimos pudessem ser exibidos publicamente. Isso até me lembrou aquele conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Cristian Andersen, publicado em 1837, A Roupa Nova. Nessa fábula, um vaidoso rei recebe fraudulentamente de tecelões um traje que somente os inteligentes conseguiriam ver. O Rei ficou tão empolgado com a promessa de um traje tão especial, querendo testar os inteligentes do reino, que chamou todos para exibir-se com o traje. Durante o desfile, em meio à multidão, uma criança grita “o rei está nu!”. Realmente estava. E nós? Será que não estamos nus, com nossas fotos, nossos gostos, nossos documentos, dados bancários, e hábitos e gostos expostos?

 

Quantas fotos postamos nas redes sociais, ou compartilhamos naquele aplicativo de mensagens - que ninguém entende como a humanidade sobreviveu sem ele - já que é impensável viver em um mundo sem notificações? Postar fotos, vídeos, textos, opiniões, reclamações já faz parte da nossa rotina. Mas, quando fazemos uma compra em uma loja, seja física ou online, quando postamos uma avaliação do prato que degustamos no restaurante, quando fazemos uma busca de um produto no site de busca, realmente queremos ser atropelados por ofertas, propagandas e sugestões de produtos e serviços?

Você pode até gostar e não ver problema que aquela empresa provedora global de filmes e séries sempre te indique os melhores títulos (na sua opinião, é claro), que você assiste, se diverte e se emociona, e fica super satisfeito, já que, sem muito esforço, você teve seus desejos atendidos. Mas não se engane, nada é de graça ou por coincidência. Tudo bem que você paga por esse serviço de filmes, mas e aquele aplicativo que você ama, que tem em sua posse mil fotos e muitos seguidores, aquele gratuito, desses que a gente gosta muito? Como já disse: nada é “free”. Nesse caso, você é o Rei - e está nu.

Calma, ninguém vazou suas fotos íntimas, mas tudo que você faz nesse aplicativo alimenta uma grande rede de dados e informações que são analisados e qualificados pelas empresas para te oferecer tudo que você precisa, e o que você não precisa, também.

Por isso, a LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD, para os íntimos) foi criada como forma de equilibrar esta balança, dando direitos aos reais donos destes dados (você e eu) e deveres a forma de acesso, tratamento e utilização desses dados. Afinal, essa troca deve ser justa. Por isso evocamos Kant quando disse “tudo que não puder contar como fez, não faça”, isso se aplica tanto às empresas, ávidas por dados e informações dos clientes, quando para nós (isso mesmo, você e eu) “postadores” vorazes, insaciáveis e inquietos. Conhecer nossos direitos e deveres, e uma dose bem generosa de senso crítico, certamente nos protegerá de sair por aí, enganosamente, expondo nossa intimidade. A LGPD é um marco importantíssimo na proteção dos dados e no zelo com o direito à privacidade, portando cuidado, não se deixe enganar, O Rei estava nu, mas você não.

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